Pouco se vê na mídia brasileira a discussão sobre os problemas causados pelos agrotóxicos na população rural. Já entre os estudantes do Curso Técnico em Agroecologia e na maior parte da população do campo brasileiro, é comum conviver mesmo em propriedades agroecológicas ou em transição com problemas ambientais (como a morte das abelhas) e mesmo de saúde humana causados pelo uso muitas vezes sem nem mesmo os cuidados exigidos pela (fraca) legislação brasileira.
Produtos como o glifosato, conhecido pela marca comercial Roundup, são comprados sem nenhum tipo de controle e muitas vezes até revendidos em recipientes improvisados como garrafas PET. Nos Estados Unidos, a fabricante da marca foi condenada diversas vezes a indenizar agricultores que sofreram câncer após a utilização do agrotóxico, que é o mais utilizado no Brasil.
Em relatório de 2015, intitulado “IARC Monographs Volume 112: evaluation of 112 organophosphate, insecticides and herbicides”, a Organização Mundial de Saúde admite que o ingrediente ativo glifosato pode causar câncer em animais tratados em laboratório. Além disso, o relatório indica o glifosato como potencial causador de alterações na estrutura de DNA e nas estruturas cromossômicas das células humanas.
Professora da USP, Larissa Bombardi, recentemente teve de se refugiar fora do Brasil, após sofrer ameaças por seus contundentes estudos relacionados ao uso dos agrotóxicos no Brasil. Em seu livro Geografia dos Agrotóxicos e Conexão com a Europa ela desenvolve mapas que mostram através de imagens os problemas. A imagem abaixo é referente a “Mortes por intoxicação por agrotóxico” (Bombardi, 2017, P. 201):
Pernambuco, apesar de não ser um dos maiores consumidores, aparece como o segundo estado com mais mortes no Brasil. Ainda não existe explicação para a mortalidade, que chega a ser considerada uma epidemia, mas os números com relação a suicídios no Nordeste são um alerta, mesmo ainda não existindo uma explicação científica para o problema que vem matando tantos agricultores e agricultoras. A única informação que podemos garantir é que precisamos ter muito mais estudos para autorizar cada um dos venenos que estão sendo introduzidos no campo brasileiro e que entre aqueles consumidos no Brasil, os dois mais vendidos são justamente agrotóxicos que causam depressão: o próprio glifosato e o 2-4,d.
No dia 2 de dezembro, o Governo Bolsonaro chegou à preocupante marca de 1501 agrotóxicos aprovados desde janeiro de 2019. Se não temos dados para avaliar nem mesmo a complexidade dos problemas causados pelos produtos que estão há décadas no mercado, a introdução de novas misturas e químicos novos é um crime contra a saúde pública e o meio ambiente brasileiro. Os números foram descobertos por uma iniciativa da Agência Pública de Jornalismo Investigativo em parceria com a Repórter Brasil, o Robotox (https://twitter.com/orobotox). Uma ferramenta digital conhecida como Bot (robô) que verifica no Diario Oficial da União todas as vezes que é aprovado uma nova substância química para utilização na agricultura.
José Hildebrando é estudante do Curso Técnico em Agroecologia e agricultor do Engenho Sacambú, no Cabo de Santo Agostinho. Em um recente encontro da sua turma da Região Metropolitana Sul, relatou o uso indiscriminado de agrotóxicos na região em que atua. Segundo ele, muitas vezes os agricultores não têm os equipamentos de proteção individuais (EPIs), também não são orientados com as informações referentes a dosagens indicadas para uso dos venenos e mesmo a forma de efetuar a utilização.
“Nevoa sai contaminando as outras propriedades e o descarte das embalagens é no meio ambiente, além das pessoas muitas vezes limparem os equipamentos nas nascentes”, conta, ressaltando que em sua prática costuma introduzir “devagarzinho” as ideias para modificar a mentalidade do pessoal. Ele faz parte da Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Engenho Sacambu – Assentamento Bruno Albuquerque Maranhão.
Presidente da Associação de Pequenos Agricultores de Ximenes, em Barreiros, Euclides Lins de Lima conta que chegou “a utilizar agrotóxicos no início, mas (me) fiz a pergunta porque temos de tomar tantos cuidados e usar os EPIs?”. Seu primeiro impasse na luta contra os agrotóxicos foi dentro da própria família, pois algumas pessoas não acreditavam na produção sem veneno, mas ele veio participar do Curso Técnico em Agroecologia justamente porque se sentiu na necessidade de ter como explicar como produzir alimentos de uma maneira saudável e rentável para os seus vizinhos.
“O curso estimula que o estudante em agroecologia se aproxime da realidade para conhecê-la e na medida que ele conhece e aprofunda esse conhecimento, ele vai realizar as ações transformadoras daquela realidade identificada. Então, se ele identifica que na comunidade tem bastante agrotóxico, o que o técnico em agroecologia formado pelo Serta faz? Ele vai discutir com seus vizinhos a problemática, a situação, sobre o problema identificado. Então, ele não toma as iniciativas sozinho, toma a partir das experiências que a comunidade apresenta. A partir daí, acontecem uma serie de atividades: pesquisa, interação, reuniões, intercâmbio, oficinas sobre a temática, cursos sobre como usar outras práticas para defensivos naturais, que não precise usar agrotóxicos, desenvolvimento de práticas agroecológicas de base sustentável. Então, as iniciativas surgem a partir dessa relação do estudante com o seu território. É o que nós chamamos da relação do sujeito com o objeto”, diz o coordenador do Curso Técnico em Agroecologia, Germano Barros, educador responsável pela turma da Região Metropolitana Sul.
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